Samara Noronha saiu do
estado de Rondônia com um sonho na cabeça e muita vontade.
A artista já passou por poucas e boas aqui na
terra da garoa e nos contou um pouco sobre sua trajetória e sobre o trabalho
que está promovendo “Caos”, produzindo pelo músico Vinny.
Irreverente, bem humorada e inteligente, ela
gentilmente nos concedeu uma bela entrevista. Confira abaixo:
01)
Antes de qualquer coisa, é um prazer entrevistá-la. Conte um pouco do início do
seu trabalho e de como surgiu "Caos".
Samara: Opa!
O prazer é todo meu em falar ao blog!
Desde muito pequena eu me interesso por arte - inicialmente artes plásticas e,
mais tarde, a música - mas recebia pouquíssimo estímulo para expressá-la; uma
porque meu pai detestava a ideia e outra porque o estado de Rondônia
infelizmente não fomenta tanto quanto gostaríamos os talentos que lá afloram.
Mas no ano de 2000 (acho que é isso) houve um festival de música que envolvia
escolas de várias cidades do estado e eu finalmente tomei coragem de demonstrar
que eu gostava de cantar. As pessoas gostaram muito da minha apresentação e eu
acho que acabei me empolgando e acreditando mesmo que isso podia dar certo! (risos)
Hoje, 14 anos depois, já deu pra perceber que as coisas não acontecem na
velocidade que a gente quer, longe disso, mas tudo que batalhei até aqui, sem
dúvidas, teve como finalidade me aproximar da realização dos meus sonhos em
relação à música. Vim para São Paulo de uma maneira muito complicada, sem
dinheiro, sem conhecer ninguém, com meu mundo todo em ruínas; mas a gana de
querer acontecer, de tentar tudo que podia na minha carreira sempre me deu
força para enfrentar o que viesse. Estudei Produção Musical muito para gerir
minha própria carreira e quem sabe montar uma banda, mas a vida é mesmo
engraçada e, para minha surpresa, acabei encontrando apoio bem longe da
faculdade e até mesmo de São Paulo: a esperança veio do Rio de Janeiro, de um
anjo loiro chamado Vinny!
02)
Como surgiu a parceria com o Vinny e como é a relação de vocês?
Samara: No
ano de 2013 minha irmã, por acaso, esbarrou virtualmente com o Vinny pelos
lados do Facebook e falou de mim pra ele. Acabei mostrando meu trabalho
e ele achou bacana e decidiu me dar uma força como pode. A ideia para a música
"Caos" já existia, mas foi o Vinny que deu vida pra ela, arranjando,
dando uns pitacos, enfim... Lapidando.
Eu sou suspeitíssima pra falar desse cara, mas quem conhece o Vinny - mesmo que
só virtualmente como eu, até o momento - sabe que ele é um ser humano
formidável! Sobre o profissional, acho que dispensa comentários, né? Ele me
emprestou algo que não tem preço, que é o talento, os acordes, o tempo dele! Eu
me sinto muito privilegiada em ter as mãos dele no meu trabalho, e ver o
resultado dessa fusão nas nossas músicas é uma alegria que eu nem imaginei que
um dia experimentaria.
03)
Sobre novas composições, há alguma previsão de lançamento? Você pensa em gravar
um EP ou disco completo?
Samara: Essa coisa de prazos é complicadíssima, ainda mais em se
tratando dessa profissão de artista, né? Claro que por mim eu teria uma
imensidão de trabalhos prontinhos, estaria mostrando mundo afora mas... essas
coisas dependem de um monte de outras coisas. Eu confesso que eu acabei, ao
encontrar o Vinny, colocando muito das minhas expectativas em cima dele, mas é
complicado... ele faz o que pode, mas ele tem a vida dele, a carreira dele, um
monte de coisas, então eu evito cobrá-lo; quando rola, a gente produz, sabe?
Sem stress... (risos)
A gente tinha falado em fazer duas novas músicas em fevereiro, uma delas
inclusive tá na agulha, mas acabou não saindo ainda. Espero de verdade que isso
ocorra em breve.
04)
Força de vontade e superação são uma marca da sua vida que acaba refletindo no
seu trabalho. Como foi sair de Pimenta Bueno em Rondônia e vir para São Paulo?
Samara: Creio que acabei falando um pouquinho sobre isso na outra
resposta porque eu falo pra caramba!
(risos)
Eu sempre quis sair de Pimenta Bueno para tentar alçar vôos maiores, porém isso
acabou não acontecendo da maneira mais delicada. Em 2007 eu, minha mãe e minha
irmã fomos tentar a vida em Sergipe, onde tínhamos família. Acabamos não nos
adaptando e, um ano depois, minha mãe decidiu voltar para Rondônia e eu segui
sozinha para São Paulo apesar do enorme medo que eu tinha da cidade, decidida a
correr atrás dos meus sonhos.
Com um pouco de dinheiro que tínhamos conseguido
inesperadamente de uma herança, minha mãe decidiu investir em um Café que
abrimos em Pimenta Bueno. Eu estava já há uns meses em Sampa e, a pedido da
minha família, retornei para Rondônia para ajudar na cafeteria. Foi um
investimento feito às pressas, por impulso, devido às circunstâncias. O resultado
foi que um ano após abrirmos o Café, acabamos falindo e perdendo o pouco que
ainda tínhamos; então, a única solução foi irmos, agora juntas, para São Paulo,
já em 2009.
Ficamos em um albergue por quase um ano. Eu já havia ficado lá de
2007 para 2008, uma experiência que eu não desejo para o pior dos seres
humanos. Mas eu passaria por tudo isso de novo, porque eu nunca quero olhar
para trás e dizer para mim mesma que eu não tentei o suficiente.
05) Você disse que o notebook utilizado na edição do vídeo de Caos já
foi até enterrado. Que história é essa?
Samara: É verdade! (Gargalhada)
É uma história meio longa, hein! Na época do Café, enquanto ainda íamos bem nas
vendas, compramos um notebook. Não tinha dado nem um mês que eu o havia
comprado e aconteceu esse fato.
Eu sempre dormia na cafeteria porque, nossa, eu
nunca vi gostarem tanto de roubar a gente como naquele lugar!Quando tivemos uma
banca de revistas em Pimenta Bueno, a gente era roubada frequentemente.
Arrombavam a porta, entravam pelo teto, pelas paredes, só não entraram mesmo
pelo chão! (risos) Então,
por experiência própria, eu dormia lá para guardar. O que eu não poderia
esperar é que um cidadão, aproveitando um descuido, pegasse as chaves do
estabelecimento, tirasse cópias, colocasse-as de volta no mesmo lugar e
entrasse sorrateiramente, sem fazer barulho! Quer dizer, ele até fez barulho -
que eu ouvi - mas eu achei que fosse na rua, né?!
Percebendo que tinha alguém
dormindo no local, a única coisa que ele levou foi meu notebook. Aí vocês
imaginem o meu desespero, sem entender absolutamente nada, quando acordei e me
dei conta de que haviam roubado o meu computador! Sorte que minha mãe lembrou
desse homem e não sei como, mas ela desconfiou das atitudes dele no dia
anterior e logo o ligou a essa história. Ela me deu as descrições dele, disse
que andava numa bicicleta tal, e eu guardei as informações. Incrivelmente,
naquela mesma semana, eu estava para abrir o Café quando eu vi passando, na
frente da loja, um cidadão com as características exatas que minha mãe havia
falado! Sai correndo atrás dele, e ele estava de bicicleta, e eu louca correndo
e gritando "pare, pare!". Como não estava conseguindo alcançá-lo,
parei um carro na rua no melhor estilo de filmes de ação e ordenei: "siga
aquela bicicleta!" (Gargalhada)
O motorista ficou desesperado dizendo que não queria confusão, mas em cidade
pequena todo mundo conhece todo mundo, e eu disse pra ele largar de ser frouxo,
ele sabia quem eu era. Quando alcançamos o cara na bicicleta ele ficou furioso,
disse que eu era louca, e eu na verdade fiquei sem saber o que fazer! Eu não
tinha certeza de que era ele! (Gargalhada)
Então eu disse que havia confundido ele, mas observei que ele estava entregando
jornais e anotei o nome do jornal para o qual ele provavelmente trabalhava. Foi
batata! Fiz um retrato dele e minha mãe confirmou que se tratava do dito cujo.
A polícia encontrou ele através dessas informações e encontrou o computador
enterrado no quintal dele. É ou não é uma puta história? (Gargalhada)
06)
Quais são suas principais influências?
Samara: Sabe que esses dias eu li uma matéria falando a respeito do
"cheiro de naftalina do rock ouvido pelos brasileiros" que mostrava o
Top 10 de músicas alternativas ouvidas no Spotify. Constavam lá Nirvana,
Red Hot, System of a Down, Foo Fighters, White Stripes... cara, parecia que
tinham pegado a playlist do meu MP3 Player! (risos)
É bem ruim admitir isso, mas raramente tem alguma coisa atual que
me toque tanto quanto essas bandas. Nirvana foi a banda que me fez querer fazer
o que faço, acabei me apaixonando por tudo que tava ali, meio próximo: Dinosaur
Jr., R.E.M., Sonic Youth, etc. E tá difícil largar o vício nesses caras! Sou
grungeira, 90's total!
07) E
como andam as apresentações?
Samara: Eu não tenho marcado apresentações, porque dependo de fechar um
repertório e os músicos, e isso ainda não está decidido. Se aparece algum
convite eu analiso caso a caso, mas no geral não existe agenda. Mas estou
trabalhando nisso!
08)
Fale um pouco sobre a canção "Viva a Milhão".
Samara: É uma composição de 2013 feita para um amigo jornalista, o
Humberto Finatti. Ele é um cara que ou você ama ou você odeia, difícil mesmo é
ignorá-lo! (risos)
O Finatti estava passando por um momento muito complicado,
enfrentando um tumor na garganta que ele, felizmente, venceu. Por esse motivo a
canção que originalmente tinha uma levada muito mais melancólica a la
"Pennyroyal Tea" do Nirvana acabou ganhando umas batidas de violão
mais a la banda Hole. Foi sugestão de um amigo que a música não ficasse tão pra
baixo. Mas creio que eu consegui retratar bem o temperamento dessa figura
paradoxal, instigante, visceral que é o Finatti. Eu espero que sim!
09)
Deixe um recado para os fãs.
Samara: Eu sempre constumo dizer que as pessoas que gostam do nosso
trabalho são o combustível que nos impulsiona a frente, que não nos deixam
desistir! Só quem faz música sabe o poder que ela tem de conectar as pessoas, e
o quanto é essencial essa troca de energia seja nos palcos, nas redes sociais,
enfim... É o que mantém a gente vivo! Eu só tenho a agradecer a cada pessoa que
tira um tempinho pra deixar uma mensagem bacana, pra conferir o trabalho, pra
passar adiante. E torço pra que essa família só aumente!
10)
Muito obrigado pela entrevista. Agora é a sua vez, pode me perguntar o que
quiser!
Samara: (Gargalhada)... Então tá! Vou fazer uma bem relevante então... Qual
é a sua cor favorita? Brincadeira! (risos)
Eu imagino o trabalhão que deve dar para manter um blog como o
"Dossiê do Rock", mas, por outro lado, deve ser bastante
enriquecedor. É preciso estar antenado, ir a shows, ter senso crítico aguçado,
enfim... Dessa maneira, creio ser bastante pertinente ouvir o que você, com sua
experiência, tem a dizer sobre o que vem sendo feito no rock nacional
atualmente. Você acha que, por exemplo, uma música como a que eu faço tem espaço
para sustentar-se ou guitarras sujas estão fadadas a cambalearem pelos obscuros
cantos agonizantes das profundezas do underground? (Eita! risos)
Adoraria se pudesse me dar exemplos nos quais eu pudesse me
espelhar para ajudar a manter a fé e pisar no acelerador sem medo! Será que há
esperança?
Bruno: Olha Samara, o Dossiê do Rock ainda é uma criança que vai
completar um ano mês que vem (risos). O que posso te dizer com a pouca experiência
que tenho é que se você acha que não tem espaço, abra o seu. E a forma melhor
de abrir o seu espaço no mundo do rock no Brasil é produzindo música e fazendo
show. Tem que tentar tocar pra galera dos quatro cantos da nossa terra brasilis
e continuar compondo e produzindo para poder se conectar com o público e fazer
o seu trabalho ser reconhecido, mesmo numa “escala underground”. As pessoas
quando gostam do artista são fiéis e se você não tem espaço (leia-se dinheiro para
pagar jabá) na mídia mainstream, os shows são fundamentais para fazer contato
com o público e aumentá-lo.
Creio também que o artista deve procurar entender o máximo
possível sobre o gerenciamento de sua carreira, pois sabemos que há muitas
variáveis que contribuem para o bom andamento do trabalho do artista. Agências
de Booking, Assessorias de Imprensa, Management, entre outros. Tendo boas
pessoas ao seu lado na hora de trabalhar você vai longe.
Não abra mão de seus princípios e continue fazendo a música que
você sente. O Rush é a minha banda de cabeceira e eles começaram numa época
diferente da indústria musical, mas o legado de integridade dos caras mostra
que perder o foco e mudar o seu estilo não vai te fazer um artista de verdade.
Durante o disco 2112, sob forte pressão da gravadora por um retorno financeiro,
não cederam às ordens de fazer um álbum comercial, gravaram um disco do jeito
que acharam certo e acabou sendo um sucesso. Além disso, a banda nunca teve o
devido respeito da mídia mainstream e mesmo assim, sobreviveu 40 anos e
continua firme e forte.
Tratando-se do Brasil, o Thedy Correa, vocalista do Nenhum de Nós, deu uma palestra interessantíssima sobre a importância da música na vida das
pessoas, onde citou alguns casos onde as canções que compôs mudaram a vida de
alguém.
Ele também diz em um certo momento que chega uma hora que você tem que
optar entre as paradas de sucessos e ser um artista. Ele não se arrepende de ter
ido pelo caminho mais difícil.
Perseverança, foco, inteligência e conteúdo vão te levar longe.
Muito
obrigado!
Samara: Quié isso, eu que agradeço pelo carinho e respeito com o qual
trataram a gente! Abração!
Confira mais sobre o trabalho de Samara Noronha nos links abaixo:
Dossiê do Rock: Revelando o passado. Incentivando o futuro.