terça-feira, 2 de junho de 2015

Entrevista: A arte e força de Samara Noronha



Samara Noronha saiu do estado de Rondônia com um sonho na cabeça e muita vontade.




A artista já passou por poucas e boas aqui na terra da garoa e nos contou um pouco sobre sua trajetória e sobre o trabalho que está promovendo “Caos”, produzindo pelo músico Vinny.


Irreverente, bem humorada e inteligente, ela gentilmente nos concedeu uma bela entrevista. Confira abaixo:

01) Antes de qualquer coisa, é um prazer entrevistá-la. Conte um pouco do início do seu trabalho e de como surgiu "Caos".

Samara: Opa! O prazer é todo meu em falar ao blog!


Desde muito pequena eu me interesso por arte - inicialmente artes plásticas e, mais tarde, a música - mas recebia pouquíssimo estímulo para expressá-la; uma porque meu pai detestava a ideia e outra porque o estado de Rondônia infelizmente não fomenta tanto quanto gostaríamos os talentos que lá afloram. Mas no ano de 2000 (acho que é isso) houve um festival de música que envolvia escolas de várias cidades do estado e eu finalmente tomei coragem de demonstrar que eu gostava de cantar. As pessoas gostaram muito da minha apresentação e eu acho que acabei me empolgando e acreditando mesmo que isso podia dar certo! (risos)




Hoje, 14 anos depois, já deu pra perceber que as coisas não acontecem na velocidade que a gente quer, longe disso, mas tudo que batalhei até aqui, sem dúvidas, teve como finalidade me aproximar da realização dos meus sonhos em relação à música. Vim para São Paulo de uma maneira muito complicada, sem dinheiro, sem conhecer ninguém, com meu mundo todo em ruínas; mas a gana de querer acontecer, de tentar tudo que podia na minha carreira sempre me deu força para enfrentar o que viesse. Estudei Produção Musical muito para gerir minha própria carreira e quem sabe montar uma banda, mas a vida é mesmo engraçada e, para minha surpresa, acabei encontrando apoio bem longe da faculdade e até mesmo de São Paulo: a esperança veio do Rio de Janeiro, de um anjo loiro chamado Vinny!

02) Como surgiu a parceria com o Vinny e como é a relação de vocês?

Samara: No ano de 2013 minha irmã, por acaso, esbarrou virtualmente com o Vinny pelos lados do Facebook e falou de mim pra ele. Acabei mostrando meu trabalho e ele achou bacana e decidiu me dar uma força como pode. A ideia para a música "Caos" já existia, mas foi o Vinny que deu vida pra ela, arranjando, dando uns pitacos, enfim... Lapidando.



Eu sou suspeitíssima pra falar desse cara, mas quem conhece o Vinny - mesmo que só virtualmente como eu, até o momento - sabe que ele é um ser humano formidável! Sobre o profissional, acho que dispensa comentários, né? Ele me emprestou algo que não tem preço, que é o talento, os acordes, o tempo dele! Eu me sinto muito privilegiada em ter as mãos dele no meu trabalho, e ver o resultado dessa fusão nas nossas músicas é uma alegria que eu nem imaginei que um dia experimentaria.

03) Sobre novas composições, há alguma previsão de lançamento? Você pensa em gravar um EP ou disco completo?

Samara: Essa coisa de prazos é complicadíssima, ainda mais em se tratando dessa profissão de artista, né? Claro que por mim eu teria uma imensidão de trabalhos prontinhos, estaria mostrando mundo afora mas... essas coisas dependem de um monte de outras coisas. Eu confesso que eu acabei, ao encontrar o Vinny, colocando muito das minhas expectativas em cima dele, mas é complicado... ele faz o que pode, mas ele tem a vida dele, a carreira dele, um monte de coisas, então eu evito cobrá-lo; quando rola, a gente produz, sabe? Sem stress... (risos)



A gente tinha falado em fazer duas novas músicas em fevereiro, uma delas inclusive tá na agulha, mas acabou não saindo ainda. Espero de verdade que isso ocorra em breve.


04) Força de vontade e superação são uma marca da sua vida que acaba refletindo no seu trabalho. Como foi sair de Pimenta Bueno em Rondônia e vir para São Paulo?


Samara: Creio que acabei falando um pouquinho sobre isso na outra resposta porque eu falo pra caramba! (risos)



Eu sempre quis sair de Pimenta Bueno para tentar alçar vôos maiores, porém isso acabou não acontecendo da maneira mais delicada. Em 2007 eu, minha mãe e minha irmã fomos tentar a vida em Sergipe, onde tínhamos família. Acabamos não nos adaptando e, um ano depois, minha mãe decidiu voltar para Rondônia e eu segui sozinha para São Paulo apesar do enorme medo que eu tinha da cidade, decidida a correr atrás dos meus sonhos. 

Com um pouco de dinheiro que tínhamos conseguido inesperadamente de uma herança, minha mãe decidiu investir em um Café que abrimos em Pimenta Bueno. Eu estava já há uns meses em Sampa e, a pedido da minha família, retornei para Rondônia para ajudar na cafeteria. Foi um investimento feito às pressas, por impulso, devido às circunstâncias. O resultado foi que um ano após abrirmos o Café, acabamos falindo e perdendo o pouco que ainda tínhamos; então, a única solução foi irmos, agora juntas, para São Paulo, já em 2009. 


Ficamos em um albergue por quase um ano. Eu já havia ficado lá de 2007 para 2008, uma experiência que eu não desejo para o pior dos seres humanos. Mas eu passaria por tudo isso de novo, porque eu nunca quero olhar para trás e dizer para mim mesma que eu não tentei o suficiente.


05) Você disse que o notebook utilizado na edição do vídeo de Caos já foi até enterrado. Que história é essa?


Samara: É verdade! (Gargalhada)



É uma história meio longa, hein! Na época do Café, enquanto ainda íamos bem nas vendas, compramos um notebook. Não tinha dado nem um mês que eu o havia comprado e aconteceu esse fato. 

Eu sempre dormia na cafeteria porque, nossa, eu nunca vi gostarem tanto de roubar a gente como naquele lugar!Quando tivemos uma banca de revistas em Pimenta Bueno, a gente era roubada frequentemente. Arrombavam a porta, entravam pelo teto, pelas paredes, só não entraram mesmo pelo chão! (risos) Então, por experiência própria, eu dormia lá para guardar. O que eu não poderia esperar é que um cidadão, aproveitando um descuido, pegasse as chaves do estabelecimento, tirasse cópias, colocasse-as de volta no mesmo lugar e entrasse sorrateiramente, sem fazer barulho! Quer dizer, ele até fez barulho - que eu ouvi - mas eu achei que fosse na rua, né?! 

Percebendo que tinha alguém dormindo no local, a única coisa que ele levou foi meu notebook. Aí vocês imaginem o meu desespero, sem entender absolutamente nada, quando acordei e me dei conta de que haviam roubado o meu computador! Sorte que minha mãe lembrou desse homem e não sei como, mas ela desconfiou das atitudes dele no dia anterior e logo o ligou a essa história. Ela me deu as descrições dele, disse que andava numa bicicleta tal, e eu guardei as informações. Incrivelmente, naquela mesma semana, eu estava para abrir o Café quando eu vi passando, na frente da loja, um cidadão com as características exatas que minha mãe havia falado! Sai correndo atrás dele, e ele estava de bicicleta, e eu louca correndo e gritando "pare, pare!". Como não estava conseguindo alcançá-lo, parei um carro na rua no melhor estilo de filmes de ação e ordenei: "siga aquela bicicleta!" (Gargalhada)



O motorista ficou desesperado dizendo que não queria confusão, mas em cidade pequena todo mundo conhece todo mundo, e eu disse pra ele largar de ser frouxo, ele sabia quem eu era. Quando alcançamos o cara na bicicleta ele ficou furioso, disse que eu era louca, e eu na verdade fiquei sem saber o que fazer! Eu não tinha certeza de que era ele! (Gargalhada)



Então eu disse que havia confundido ele, mas observei que ele estava entregando jornais e anotei o nome do jornal para o qual ele provavelmente trabalhava. Foi batata! Fiz um retrato dele e minha mãe confirmou que se tratava do dito cujo. A polícia encontrou ele através dessas informações e encontrou o computador enterrado no quintal dele. É ou não é uma puta história? (Gargalhada)



06) Quais são suas principais influências?

Samara: Sabe que esses dias eu li uma matéria falando a respeito do "cheiro de naftalina do rock ouvido pelos brasileiros" que mostrava o Top 10 de músicas alternativas ouvidas no Spotify. Constavam lá Nirvana, Red Hot, System of a Down, Foo Fighters, White Stripes... cara, parecia que tinham pegado a playlist do meu MP3 Player! (risos)

É bem ruim admitir isso, mas raramente tem alguma coisa atual que me toque tanto quanto essas bandas. Nirvana foi a banda que me fez querer fazer o que faço, acabei me apaixonando por tudo que tava ali, meio próximo: Dinosaur Jr., R.E.M., Sonic Youth, etc. E tá difícil largar o vício nesses caras! Sou grungeira, 90's total!

07) E como andam as apresentações?

Samara: Eu não tenho marcado apresentações, porque dependo de fechar um repertório e os músicos, e isso ainda não está decidido. Se aparece algum convite eu analiso caso a caso, mas no geral não existe agenda. Mas estou trabalhando nisso!

08) Fale um pouco sobre a canção "Viva a Milhão".

Samara: É uma composição de 2013 feita para um amigo jornalista, o Humberto Finatti. Ele é um cara que ou você ama ou você odeia, difícil mesmo é ignorá-lo! (risos)



O Finatti estava passando por um momento muito complicado, enfrentando um tumor na garganta que ele, felizmente, venceu. Por esse motivo a canção que originalmente tinha uma levada muito mais melancólica a la "Pennyroyal Tea" do Nirvana acabou ganhando umas batidas de violão mais a la banda Hole. Foi sugestão de um amigo que a música não ficasse tão pra baixo. Mas creio que eu consegui retratar bem o temperamento dessa figura paradoxal, instigante, visceral que é o Finatti. Eu espero que sim!

09) Deixe um recado para os fãs.

Samara: Eu sempre constumo dizer que as pessoas que gostam do nosso trabalho são o combustível que nos impulsiona a frente, que não nos deixam desistir! Só quem faz música sabe o poder que ela tem de conectar as pessoas, e o quanto é essencial essa troca de energia seja nos palcos, nas redes sociais, enfim... É o que mantém a gente vivo! Eu só tenho a agradecer a cada pessoa que tira um tempinho pra deixar uma mensagem bacana, pra conferir o trabalho, pra passar adiante. E torço pra que essa família só aumente!

10) Muito obrigado pela entrevista. Agora é a sua vez, pode me perguntar o que quiser!


Samara: (Gargalhada)... Então tá! Vou fazer uma bem relevante então... Qual é a sua cor favorita? Brincadeira! (risos)


Eu imagino o trabalhão que deve dar para manter um blog como o "Dossiê do Rock", mas, por outro lado, deve ser bastante enriquecedor. É preciso estar antenado, ir a shows, ter senso crítico aguçado, enfim... Dessa maneira, creio ser bastante pertinente ouvir o que você, com sua experiência, tem a dizer sobre o que vem sendo feito no rock nacional atualmente. Você acha que, por exemplo, uma música como a que eu faço tem espaço para sustentar-se ou guitarras sujas estão fadadas a cambalearem pelos obscuros cantos agonizantes das profundezas do underground? (Eita! risos)

Adoraria se pudesse me dar exemplos nos quais eu pudesse me espelhar para ajudar a manter a fé e pisar no acelerador sem medo! Será que há esperança?

Bruno: Olha Samara, o Dossiê do Rock ainda é uma criança que vai completar um ano mês que vem (risos). O que posso te dizer com a pouca experiência que tenho é que se você acha que não tem espaço, abra o seu. E a forma melhor de abrir o seu espaço no mundo do rock no Brasil é produzindo música e fazendo show. Tem que tentar tocar pra galera dos quatro cantos da nossa terra brasilis e continuar compondo e produzindo para poder se conectar com o público e fazer o seu trabalho ser reconhecido, mesmo numa “escala underground”. As pessoas quando gostam do artista são fiéis e se você não tem espaço (leia-se dinheiro para pagar jabá) na mídia mainstream, os shows são fundamentais para fazer contato com o público e aumentá-lo.

Creio também que o artista deve procurar entender o máximo possível sobre o gerenciamento de sua carreira, pois sabemos que há muitas variáveis que contribuem para o bom andamento do trabalho do artista. Agências de Booking, Assessorias de Imprensa, Management, entre outros. Tendo boas pessoas ao seu lado na hora de trabalhar você vai longe.

Não abra mão de seus princípios e continue fazendo a música que você sente. O Rush é a minha banda de cabeceira e eles começaram numa época diferente da indústria musical, mas o legado de integridade dos caras mostra que perder o foco e mudar o seu estilo não vai te fazer um artista de verdade. Durante o disco 2112, sob forte pressão da gravadora por um retorno financeiro, não cederam às ordens de fazer um álbum comercial, gravaram um disco do jeito que acharam certo e acabou sendo um sucesso. Além disso, a banda nunca teve o devido respeito da mídia mainstream e mesmo assim, sobreviveu 40 anos e continua firme e forte.

Tratando-se do Brasil, o Thedy Correa, vocalista do Nenhum de Nós, deu uma palestra interessantíssima sobre a importância da música na vida das pessoas, onde citou alguns casos onde as canções que compôs mudaram a vida de alguém. 

Ele também diz em um certo momento que chega uma hora que você tem que optar entre as paradas de sucessos e ser um artista. Ele não se arrepende de ter ido pelo caminho mais difícil.

Perseverança, foco, inteligência e conteúdo vão te levar longe.


Muito obrigado!


Samara: Quié isso, eu que agradeço pelo carinho e respeito com o qual trataram a gente! Abração!

Confira mais sobre o trabalho de Samara Noronha nos links abaixo:



Dossiê do Rock: Revelando o passado. Incentivando o futuro.