Por
Bruno Sawyer
Como
o título já diz, o músico paulistano tem orgulho de ser do mesmo bairro de
grandes nomes do rock brasileiro, como Mutantes e Made In Brazil.
Além
disso, Guy nos contou um pouco sobre sua carreira artística, pois, além da
música, ele também é escritor.
Cheio
de conteúdo e com um repertório vasto, ele gentilmente nos concedeu uma bela entrevista.
Confira
abaixo:
01) Primeiramente, é um prazer
entrevistá-lo. Conte para nós, quem é Guy Correa?
Guy: Nasci em São Paulo. Estudei
Jornalismo e Ciências Sociais. Fui repórter durante muito tempo. Escrevi sobre
turismo, aviação comercial e negócios, em revistas como Viagem e Turismo, Exame, entre outras. Publiquei livros. Sou autor
de um romance e de dois livros de poemas. Morei em Lisboa e em Londres. Componho
e canto. Uso o violão e a guitarra pontualmente nos shows. Utilizo os
instrumentos mais para compor.
Gosto
de falar que sou da Pompéia, que é a terra do rock. Uma vez solicitei uma
entrevista ao Sergio Dias, dos Mutantes, e o abordei no email citando nosso
bairro de origem. “Olha, esta é uma conversa entre garotos da Pompéia”. Ele
topou na hora. Passamos uma tarde conversando em seu apartamento na Avenida
Angélica. Pena que a Pompéia não preserve sua memória musical.
A
casa onde moraram os irmãos Sérgio Dias, Arnaldo Baptista e Claudio Cesar Dias
Baptista (inventor de instrumentos musicais) está em péssimo estado. Não há
nenhuma sinalização de que bandas como Mutantes, Tutti Frutti, Patrulha do
Espaço e Made in Brazil tenham surgido no bairro.
02) Como você começou no mundo música?
Guy: Informalmente comecei
a tocar com alguns colegas de faculdade. Depois iniciei um trabalho mais
consistente com um amigo que estudava comigo na PUC. Misturávamos rock e blues
com músicas de fossa. Compúnhamos e fazíamos releituras de alguns clássicos,
inclusive de outros gêneros musicais. Por exemplo, transformamos Cabelos brancos, de Herivelto Martins e
Marino Pinto, num blues. As pessoas adoravam. Cantei essa música com essa
pegada durante anos. Chegamos a gravar algumas demos, mas, em 1998, eu acabei
indo trabalhar em Portugal, numa agência de marketing cultural.
Na
volta ao Brasil retomei o trabalho sozinho e gravei meu primeiro disco, que
leva o meu nome. Ele foi gravado em 2002, mas lançado apenas em 2004, após uma
temporada que passei em Londres.
03) Quais são suas principais influências?
Guy: Rolling Stones, Pink
Floyd, Syd Barret, Patti Smith, Buddy Guy, Lou Reed, Tutti Frutti, Patrulha do
Espaço, Walter Franco, Titãs e Barão Vermelho.
Digo
sempre que também sou influenciado por livros e filmes que vi. Por exemplo, na
música Welcome, primeira faixa do
disco, seu último verso “Welcome to Istambul” é uma citação de um filme do
cineasta português Manoel de Oliveira chamado Um filme falado, no qual há uma cena de um navio chegando ao litoral
turco em meio a uma névoa. A câmera faz uma tomada na proa da embarcação. Não
se vê nada. De repente surge um letreiro em terra firme onde se lê “Welcome to
Istambul”. Esse é o desejo de quem está atravessando o Mar Mediterrâneo numa
embarcação precária: ser bem recebido. Mas as tragédias não param de acontecer
durante essas travessias.
A
música Lugar qualquer surgiu logo
depois que assisti ao filme Um lugar
qualquer, de Sofia Coppola. Gostei mais do título do que do próprio filme,
que aborda o vazio existencial de um ator americano. A minha música também fala
sobre isso, mas ela vai mais fundo porque aborda a depressão.
04) Após um hiato de 10 anos, você está
com o seu novo trabalho, o belo Desejos Furiosos. Como foi o processo de
composição? Teve alguma canção que deu mais trabalho pra finalizar?
Guy: No início de 2011,
lancei um desafio: queria dar uma reciclada no trabalho, fazer canções com
temáticas mais incisivas e colocar mais peso nas guitarras. O EP Desejos Furiosos (disponibilizado em formato digital, com distribuição pela Tratore) traz
quatro músicas de minha autoria.
Welcome,
que tem uma pegada Pink Floyd, fala sobre alguns fluxos migratórios no mundo. Lugar qualquer é a balada do disco. Seu
tema é a depressão. Coração de estrelas,
um tipo de reggae que foi reprocessado na Inglaterra, narra as aflições de uma
pessoa que está longe de sua família por causa do trabalho, no caso em São
Paulo. E Avatar, a música mais pesada
do trabalho, aborda o cotidiano de um usuário de crack. Atualmente estou
fazendo shows com a minha banda para divulgar o EP. Em 2016, vou gravar o disco
inteiro e levar o trabalho também para Portugal e outros países da Europa.
A
música que demorei mais tempo para fazer foi Welcome. Foram três meses trabalhando nela diariamente. Os
movimentos migratórios no mundo sempre me chamaram a atenção. Li bastante sobre
esse assunto, vi documentários e por ter
morado duas vezes no exterior, ouvi e vivenciei muitas histórias, algumas muito
tristes. Por exemplo, no Aeroporto de Heathrow, no início da década passada, os
funcionários da imigração barravam pessoas que tentavam entrar na Inglaterra
calçando sapatos muito bem engraxados. Faziam isso sadicamente e riam depois do
expediente ao contarem a reação desesperada das pessoas impedidas de entrar no
país.
Na
Oxford Street, uma das principais vias comerciais em Londres, é muito comum se
deparar com brasileiros segurando placas de anúncio na calçada. Muita gente
atravessa o oceano para fazer esse tipo de trabalho. Quando estava lá, ficava
pensando se alguns deles não teriam arrependimento por estar tão longe de casa
fazendo isso.
05) Foi legal trabalhar com o Marcos
Ottaviano?
Guy: Foi espetacular desde
o início. Lembro de nosso primeiro encontro, quando ele pediu para eu passar
meu repertório no violão. Fui mostrando as músicas e ele ficou coçando a barba.
Seu apelido “The teacher” tem tudo a ver com ele. O Ottaviano, além de ser um
monstro com a guitarra é um baita produtor. Ele me sacou como compositor e me
recolocou nos trilhos do rock e do blues, que é o meu melhor lugar.
Quando
fomos para o estúdio me vi com um dream
team do rock: Marcos Ottaviano, Lee Marcucci e Mario Fabre. O Lee é uma
lenda viva, considerado o maior baixista do rock brasileiro. Mario Fabre, que
hoje está nos Titãs, também toca muito. Ver os dois trabalhando com o Ottaviano
foi um aprendizado. Este trabalho proporcionou o encontro no estúdio, até então
inédito, de Marcos Ottavino com Lee Marcucci.
O
Eduardo Lopes que é um profissional de vídeo e fotografia fez um registro das
gravações. Um dos resultados dessas filmagens é o vídeo de Lugar Qualquer, que está em meu canal no Youtube.
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Da esquerda para a direita: Mário Fabre, Guy Corrêa, Marcos Ottaviano, Amleto Barboni e Lee Marcucci |
06) Como surgiu a oportunidade de traduzir
“Ron Wood: A Autobiografia de um Rolling Stone”? Chegou a falar com ele para
tirar dúvidas?
Guy: Sempre admirei demais
o Ron Wood, tanto como músico quanto como pessoa. Nunca ouvi nenhum comentário
negativo sobre ele, pelo contrário. Seu senso de humor é único. Mick Taylor
tocava demais, mas nunca esteve de corpo e alma na banda. Ron Wood tem um entrosamento
pessoal e musical com Keith Richards e ama o que faz. Ele tem um trabalho solo interessante. O
último chamado I Feel Like Playing não foge à regra e tem várias participações
especiais.
Sua
trajetória na música é incrível. Ele já era um astro antes de ingressar nos
Rolling Stones. The Faces é um tremendo capítulo na história do rock. Depois
que os Beatles pararam, no Reino Unido no início dos anos 70, eles só perdiam em
popularidade para os Rolling Stones. No entanto, mesmo com tanto currículo e talento,
Ron Wood ainda é visto com desconfiança, aqui no Brasil. Durante anos, discuti
com muita gente em mesas de bar defendendo Wood, que também é um pintor
talentoso.
Quando
saiu a biografia dele, fiquei esperando uma versão em português. Mas nenhuma
editora se interessou pelo livro. Em 2012, fui chamado pela Editora Generale
para escrever o prefácio de uma nova biografia do Pink Floyd (Nos bastidores do
Pink Floyd, Mark Blake), que estava sendo lançada pela editora. Na época,
comentei para eles que a biografia do Ron Wood ainda não havia sido lançada no
Brasil. Surpresos, eles negociaram os direitos e me convidaram para traduzir e
prefaciar o livro, que é a biografia mais divertida do rock. Infelizmente ainda
não tive a oportunidade de conhecê-lo. Talvez isso ocorra na próxima vez que os
Stones passarem pelo Brasil.
07) Deixe um recado para os fãs.
Guy: Não deixem de
prestigiar o rock brasileiro. No Brasil, o gênero saiu da grande mídia. Mas tem
muita gente fazendo rock de qualidade. Quem curte rock nunca envelhece. E como diz Arnaldo Baptista em sua música LSD,
“Louvado seja Deus que nos deu o rock’n’roll’.
08) Agora é a sua vez. Pode me perguntar
o que quiser.
Guy: Bruno, não vou lhe
perguntar nada. Quero te parabenizar pela iniciativa de manter o blog. O rock precisa
muito de caras como você. Obrigado pela oportunidade. Grande abraço.
Bruno: Quem agradece sou
pela atenção e profissionalismo e desejo-lhe bastante sucesso por este caminho
tortuoso que é trabalhar com rock na nossa terra brasilis.
Veja
mais sobre o trabalho de Guy nos links abaixo:
Dossiê
do Rock: Revelando o passado. Incentivando o futuro.