domingo, 13 de setembro de 2015

Especial Wander Taffo: Carreira



Tivemos uma conversa tão produtiva com Fátima Taffo (Fafau), irmã de Wander, que decidimos fazer um especial para homenagear esse mestre da guitarra. 





Aqui abordaremos a carreira do músico, sempre contando com a presença dos relatos dela.

Wander não foi apelidado de mestre à toa, pois sempre foi um cara de vanguarda e antenado com a tecnologia. Além de grande instrumentista, era vidrado na parte estrutural dos instrumentos, sempre correndo atrás do que de mais recente havia.

A primeira parte do especial pode ser conferida aqui: Especial Wander Taffo - Vida Pessoal

Confira abaixo a segunda parte dessa homenagem que fizemos a um dos maiores guitarristas brasileiros, o saudoso Wander Taffo.

Por Bruno Sawyer

Bairro da Pompeia, São Paulo, década de 70. No auge da ditadura militar brasileira, um monte de moleques inquietos e apaixonados por rock faziam os vizinhos conhecerem as canções que mexiam com seus corações. Com certeza, alguns faziam barulho (muito barulho) e outros, em meio aquele monte de timbres, notas, acordes e melodias, reproduziam com maestria o trabalho daqueles que admiravam.
Neste segundo grupo podemos encaixar o Taffo que, já garoto, servia de técnico de som/roadie/fã número 01 da banda Fush, formada pelo amigo de infância (outro gênio da guitarra brasileira) Mozart Mello, o baterista Juba e o baixista João Ascensão.

A primeira banda da qual fez parte foi o Memphis, que não chegou a lançar nenhum disco, mas fez uma série de shows que ajudaram Wander a ganhar experiência nos palcos, algo que Gel Fernandes, o baterista e parceiro de vários projetos posteriores, temia, pois o mestre nunca tinha tocado em um conjunto em seus 17 anos de vida.

Na primeira apresentação da banda, numa domingueira do Círculo Militar de São Paulo, o guitarrista mostrou o seu valor e a sua qualidade a despeito da pouca idade (que só mostrava o grande potencial que o músico possuía). Entre shows e ensaios (de sua banda e também dos Mutantes), a rede de contatos foi crescendo e, como todo bom músico, Taffo foi convidado para fazer parte de vários grupos.




O primeiro deles foi o Made In Brazil, dos conterrâneos de Pompeia Oswaldo e Celso Vechionne. Paralelamente ao Memphis, o guitarrista fez shows com o Made e gravou o disco Massacre (que deveria ter sido lançado em 1977, mas foi inteiramente censurado pela ditadura militar que alguns, ou vários idiotas atuais clamam pelo retorno). O registro foi lançado oficialmente no ano de 2005.

Em seguida participou do Joelho de Porco, desta vez sem deixar nenhum registro de estúdio. Sua saída da banda foi algo inusitado na música brasileira. Wander recebeu luvas (sim, aquelas mesmas que um monte de jogador de futebol pede pros clubes) para sair do Joelho de Porco e entrar para a nova formação do Secos e Molhados. E pela qualidade do mestre, a valorização de seu talento era muito justa.
Na nova banda ele gravou o disco Secos e Molhados III, que rendeu o último single de sucesso da banda: Que Fim Levaram Todas As Flores?. Durante sua passagem ele utilizou o pseudônimo Wander Tosh.


A diminuição nos shows da agenda da banda e a vontade de montar o seu próprio conjunto ajudaram Wander a formar a banda Sobrinhos da Rainha, novamente com Gel na bateria, João Ascensão no baixo e Lili Rodrigues nos vocais. Para pagar as contas no fim do mês, Taffo fez parte da banda de Wanderley Cardoso.

A demo da Sobrinhos da Rainha passou por várias gravadoras sem sucesso, então enquanto o contrato não vinha, o mestre seguia tocando a vida e participando de outros projetos, como foi o caso da Gang 90 & As Absurdettes, idealizado pelo amigo Julio Barroso. O compacto de Perdidos na Selva foi lançado em 1981 e foi um estouro. Com este trabalho a banda ganhou o prêmio MPB Shell e fez uma apresentação com o Maracanazinho completamente lotado.

Mas o mestre não parava e foi convidado pelo baixista Lee Marcucci (Rita Lee e Tutti-Frutti até então), juntamente com Gel para formar a banda da turnê Lança Perfume, da qual Taffo participou em todos os shows. Ele ainda gravou o disco Saúde (1981) e fez a turnê de promoção.

Neste meio tempo, Wander, Gel, Lee e Tarcisio (nos vocais) ensaiaram músicas próprias e antes de gravarem a demo, o vocalista deixou o grupo, abrindo a oportunidade para Willie de Oliveira assumir o posto.

Esta nova banda, ainda sem nome, seria produzida por Roberto de Carvalho, mas como ele não conseguiu conciliar o trabalho com Rita Lee e as gravações, abandonou-o, deixando a música Coisas de Casal de presente para eles. O jornalista e produtor musical Nelson Motta escreveu a letra da canção Garota Dourada e pôs a música na trilha sonora do filme Menino do Rio (1981), além de nomear a banda como Rádio Taxi. Aliás, esta música foi o primeiro grande sucesso do grupo.

Com isso eles conseguiram um contrato de três discos com a CBS e o primeiro, o autointitulado Radio Taxi, foi lançado em 1982 gerando os sucessos Garota Dourada, Coisas de Casal (tema da novela Sol de Verão da Rede Globo), Conversa Fiada (versão da música I Didn't Know I Loved You Until I Saw You Rock and Roll de Gary Glitter) e a irreverente e gostosa Põe Devagar (Dentro do Coração). O disco foi produzido por Luis Carlos Maluly.

No ano seguinte a banda lançou Radio Taxi 2 e continuou nas paradas de sucesso. Novamente sob produção de Luis, o grupo emplacou os hits Com O Rádio Ligado, a brega Sanduíche de Coração (que foi tema de abertura da novela Pão Pão, Beijo Beijo da rede Globo) e Eva, que foi uma imposição da gravadora (e ainda tem gente que diz que as gravadoras respeitavam os artistas... Dinheiro galera... Dinheiro... ), mas acabou dando certo. Os próprios membros disseram em uma entrevista que tiraram a música na hora e que gravaram sem empolgação nenhuma (inclusive o Lee gravou o baixo deitado na sala do estúdio). Essa música não tinha entrado no set list dos shows e conforme relato da banda, num show em Iracema do Norte/RJ, chegou um momento que todo o público começou a gritar “Eva! Eva! Eva!” e eles prometeram que tocariam da próxima vez, pois ninguém sabia a música de cabeça. Eva se tornou tão popular que, não só entrou para o set vitalício, como é uma das marcas do Radio Taxi.



Nos anos 80 Wander ainda gravou mais dois discos com a banda, 6:56 (1984) e Matriz (1986), o qual rendeu um mega show no Teatro Bandeirantes junto com uma orquestra de 30 músicos e muita produção de palco. O Radio Taxi continuava no topo das paradas, mas Taffo ainda investiria na sua carreira solo.

Em meados de 1987, Wander, junto com alguns sócios, abriu o IG&T (Instituto de Guitarra e Tecnologia). A escola era inspirada no estadunidense GIT (Guitar Institute Of Technology) e, como o seu criador, era uma instituição de vanguarda. Alguns nomes que viriam a ser conhecidos nos anos 90 estudaram lá, como Kiko Loureiro (Angra) e Edu Ardanuy (Dr Sin).

"Pra você ter uma ideia, eles queimaram todo o carpete por conta dos cigarros. Tiveram que adiar mais uns dias a abertura da escola para trocar o carpete." - Diz Fafau sobre a inauguração da escola. 

"O Wander era muito perfeccionista. Tudo que ele abria era muito bonito." - Continuou Fafau.

Ardanuy era muito querido por Wander e nesta mesma época o mestre tinha assinado contrato com a WEA para lançar um disco solo. Convidou Edu, mas a gravadora queria um power trio, então ele indicou os irmãos Busic (Andria e Ivan, seus futuros companheiros de Dr Sin) para Wander e assim a banda Wander Taffo estava formada.

O primeiro disco, Wander Taffo (1989), era totalmente diferente do que o músico tinha feito até o momento. Mais pesado, com grandes influências do hard rock, o registro mostra Taffo arrebentando nos riffs e solos, além de fazer os vocais (muito bem por sinal). O álbum conta com várias participações: Lulu Santos, Lobão, Herbert Vianna, Todd Griffin, Leoni, Nico Rezende, Ronnie Foster, Bernardo Vilhena e André Cristovam, além de Liminha (conhecido da época dos ensaios dos Mutantes) na produção. Sem sombra de dúvida, é um dos melhores registros do rock brasileiro, não deixando nada a dever para bandas de fora.



Capa e contracapa do disco Wander Taffo de 1989


Por conta do trabalho com a divulgação do disco, o mestre teve de se distanciar um pouco do IG&T, causando uma ruptura com os sócios e culminando no fechamento da escola.

Infelizmente, o disco não vendeu tanto quanto a gravadora esperava e a WEA queria deixar a banda de molho por um ano (volto a repetir para você leitor: Dinheiro... Dinheiro...). Então, era hora de tentar algo novo. Fátima Taffo (a Fafau) estava trabalhando com a banda neste período e trabalhou um novo projeto com Wander, que consistia em letras mais espiritualistas, sem deixar os arranjos pesados e complexos de lado.



Sendo assim, Taffo conseguiu um contrato com a CBS (que viraria Sony) e o projeto que se tornaria o disco Rosa Branca estava ganhando corpo.

O projeto que levava o nome do mestre foi reformulado com a entrada definitiva de Marcelo Souss nos teclados (o músico já acompanhava a banda nos shows) e a troca do nome para Banda Taffo.

"O Wander era um grande compositor." - Diz Fafau, que nunca se cansa de elogiar o irmão.

Rosa Branca foi lançado em 1991 e dessa vez Andria assumiu a frente dos vocais agudos e por vezes estridentes que contrastavam com as letras leves e espiritualistas escritas por Fafau. O instrumental continuava impecável e o disco consolidou a carreira solo de Taffo, mostrando que o mestre fazia jus a este apelido mesmo, pois foi, com certeza, um dos guitarristas mais técnicos e versáteis do Brasil, além de um compositor sensacional (solos, riffs, arranjos).

"Olhos de Neon fala sobre a luz interna de cada um." - Revela Fafau, a autora dos versos.

Neste período a banda era presença constante nos programas de TV da época, Som Pop, Programa Livre e até da Xuxa (os caras tinham que tocar galera, não tinha jeito), além dos programas de rádio, onde 89, 97 e Brasil 2000 brigavam para tê-la em seus estúdios.

"Teve crítico na época que falou que as letras causavam enjoo. Eu achei ótimo, pois era sinal de que a música tinha mexido com ele." - Diz Fafau.




O clipe de Me Dê Sua Mão foi um dos dois vídeos de um artista nacional a aparecer na inauguração da MTV Brasil. E na turnê do disco a banda tocou nos EUA, passando pelos palcos do Limelight e o Cat Club, inclusive com show gravado para a MTV americana.

Infelizmente, mais uma vez o disco não deu o resultado financeiro esperado pela gravadora, então o contrato foi encerrado. Neste momento também, os interesses dos irmãos Busic iam numa direção diferente da de Wander e a separação foi inevitável. Os Busic formaram o Dr Sin e Taffo e Marcelo reformularam a banda, com Fernando Nova no vocal (escolhido após ser visto numa apresentação num parque de diversões), Carlos D’Ângelo no baixo (filho do ator Carlos Zara) e o parceiro de longa data Gel Fernandes na bateria.

"A gente vai lançar o Nagual, pois encontramos as masters." - Revela Fafau. 

"Faça amor. Não faça guerra." - Foto da sessão feita para o disco Nagual

A banda continuou se apresentando com essa formação e compôs músicas novas que fariam parte do terceiro disco, Nagual. O álbum era todo baseado na obra do autor peruano Carlos Castañeda e continuava na linha existencial/espiritualista que o grupo tinha alcançado. Infelizmente o disco ficou engavetado e só quem acompanhou as apresentações na época teve acesso às belas canções. Umas das coisas boas da internet é que coisas raras são jogadas na rede direto e algumas apresentações dessa formação da banda Taffo podem ser vistas no YouTube, com destaque para a sensacional Rosa dos Ventos, com o trabalho inconfundível de guitarra do mestre, mas com um arranjo muito bem executado pelo restante da banda.



“Depois de 92, 93, eu não conseguia mais fechar show, porque o sertanejo e o axé entraram com tudo.” - Diz Fafau

Com os tempos mudando, Taffo voltou a tocar com Rita Lee (mas um desentendimento entre eles findou a parceria nos palcos), além de participar dos discos de Marina Lima, Cássia Eller, Guilherme Arantes, Afonso Nigro, entre outros.
Em 1996 o mestre lançou o disco Lola, pela Spotlight, onde a faixa-título é uma versão feita por Roger (Ultraje A Rigor). O registro é o mais apagado da carreira do músico e não obteve êxito comercial. A canção Sempre Junto de Você entrou para a trilha sonora da novela


Capa do disco Lola de 1996


Empreendedor como sempre, Wander encontrou um novo sócio, Célio Ramos (dono do antigo Britânia), e reabriu o IG&T, agora no bairro do Jabaquara em São Paulo. Sua atitude visionária deu certo e a instituição só tendeu a crescer nos próximos anos. Um destaque aqui vai para a “Clínica do Dr. Taffo” onde ele aparecia com um jaleco branco e receitava exercícios para os alunos. Irreverência e domínio de conteúdo eram características essenciais do seu método de ensino. O sua técnica de palhetada alternada era uma de suas assinaturas. 

Em 1999 o instituto se tornou EM&T (Escola de Música e Tecnologia), mudando para o prédio atual, localizado ao lado do metrô Conceição na capital paulista.

A Rosa Branca, símbolo do mestre presente no topo do prédio que abriga a EM&T / Imagem: Google Earth


Wander fez parte da banda FICO, que fazia o apoio nas edições do famoso FICO do colégio Objetivo. Além disso, fazia Workshops e ganhou uma guitarra com sua assinatura, a bela Power Signature Giannini Rosa Branca.




Em 2006 o Radio Taxi voltou à ativa com o lançamento de um disco ao vivo. O show foi gravado em setembro de 2005 no Espaço Bic. Em 2008 a banda Taffo retornaria com nova formação e músicas inéditas, além das canções do disco Nagual. Marcelo Souss, Fábio Zaganin, Christiano Rocha e o mestre já haviam começado à ensaiar, mas isso não durou muito tempo.

No dia 14 de maio de 2008, prestes a completar 54 anos, Wanderley Taffo Junior resolveu tocar guitarra em outro plano, deixando muita saudade e um trabalho impecável que, graças a sua tão amada tecnologia, está gravado para sempre em ondas sonoras, além de ter sido posto bem devagarinho no fundo do coração de seus fãs.

No dia 30 de setembro, a partir das 21:30, ocorrerá a terceira edição do tributo realizado para Wander Taffo. O evento acontecerá no Bourbon Street, localizado na Rua dos Chanés, 127 - Moema, São Paulo/SP.




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